sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Do pão doce à música açucarada

[Seja bem vindo ao meu novo blog "Recreio ao Ouvido", que está sendo inaugurado com a belíssima canção "Pão Doce" de Carlos Sandroni. Quando ouvi esta canção pela primeira vez, fui tomado por diversos sentimentos causados pelo perfeito enlace entre as metáforas e figuras poéticas da poesia e o arranjo e instrumentação da obra. Decidi que havia chegado a hora de escrever e oferecer ao leitor um "petisco". Espero que gostem e deixem seu comentário.]


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"...depois de um tempo em que eu era tão completamente ingênuo, tão sem força de vontade que as doces delicadezas de qualquer guloseima lânguidas me seduziam..." (Carlos Sandroni)

Quem nunca gostou de pão doce?
Sonho, rosca, suspiro, pudim de padaria...
Guloseimas de um paladar que nos mantém na bucólica lembrança de nossa infância. Mas a vida, a vida tem muitos outros sabores...

Recentemente, pesquisadores da área de saúde notaram que muitos adultos, quando estão à mesa, mantêm hábitos de criança. É o que se chama "paladar infantil", considerado pelos cientistas como um distúrbio similar à bulimia e anorexia.

Quem tem paladar infantil dá preferência a alimentos não muito saudáveis, como doces, refrigerantes, lanches e fast food em geral. Evitam vegetais, frutas, temperos e aromas diferenciados. Em casos extremos, acabam prejudicando a saúde, já que o nosso corpo necessita de alimentos variados para o bom funcionamento do organismo.

Analogamente, há na audição, aqueles que sofrem do mesmo distúrbio, o que poderíamos chamar de "ouvido infantil": o ouvinte que gosta apenas da "música açucarada", com melodias repetitivas e de fácil assimilação, refrão marcante, ritmos previsíveis e de forte teor dançante, permeada por uma harmonia paupérrima e letra de discutível valor literário.

São os hits do momento: fast food e enlatados das emissoras de rádio e televisão, fortemente carregados por elementos visuais - embalagens sedutoras envolvendo alimentos nada saudáveis; verdadeiros chicletes auditivos, direcionados às massas e aos cérebros desprovidos de senso estético.

Essas "guloseimas lânguidas", aliadas a outros "docinhos" pseudo-culturais, como o BBB, UFC, futebol, novelas etc. seduzem o "paladar" de nossa sociedade e nos deixam "tão sem força de vontade", alienados pelo "incontrolável fascínio por cremes dourados e frutas cristalizadas" da indústria cultural, facilmente ludibriados pela política do panis et circenses.

Se em termos nutricionais, o "paladar infantil" pode levar a problemas de saúde, em se tratando de música, quem sofre da síndrome do "ouvido infantil", corre o risco de tornar-se impermeável à arte, vivendo uma vida sem sentido estético e social, incapaz de contemplar e exercer a faculdade de pensar, tornando-se doentes espirituais. O fim disso tudo é a barbárie, a banalização da existência.





Pão doce (Carlos Sandroni)

Não adianta mentir pra mim mesma
ficar me enganando, tentando dizer que nunca na vida,
nunca na vida eu gostei de pão doce
porque por mais que eu queira esconder
a verdade é que eu adorava pão doce
não podia passar sem pão doce
bastava ver padaria, que logo eu ia, que logo eu ia
comprar

Não adianta mentir pra mim mesma
porque no fundo, porque no fundo eu sei muito bem
que essa história toda de não comer açúcar
que essa história toda de não comer pão branco
que essa história toda de viver de mel e pão integral
isso tudo só foi começar muito depois

depois de um tempo em que eu era
tão completamente ingênua
tão sem força de vontade
que as doces delicadezas
de qualquer guloseima
lânguidas me seduziam
e minha língua sofria
de incontrolável fascínio
por cremes dourados
e frutas cristalizadas
feito rubis incrustadas
nas crostas crocantes dos pães

mas hoje,
hoje tudo é diferente
se eu olho pruma padaria, me ponho cismando, chego a duvidar
como é que pôde um dia
eu ter entrado tanto lá!...

porque por mais que eu queira, mas que eu queira
mentir pra mim mesma
ficar me enganando, tentando dizer que nunca na vida,
nunca na vida eu gostei de pão doce
fazendo um exame detido, sendo sincera, eu tenho que admitir
que a verdade, meus amigos (pelo menos no que tange a trigos)
a verdade no duro, doa a quem doer
a verdade é que eu adorava pão doce
a verdade é que eu adorava pão doce
a verdade é que eu adorava pão doce...

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