terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Tudo o que você precisa é amor!

Prezado Leitor, 

No post de hoje, trazemos uma das canções mais emblemáticas da História da Música: "All You Need Is Love" de Lennon e McCartney. Acompanhe nossa análise e os exemplos musicais que apresentamos. Boa leitura! 

Em junho de 1967, a BBC de Londres produziu o que seria o primeiro show internacional de televisão transmitido ao vivo, via satélite. Intitulado de “Nosso Mundo”, o evento contou com a participação de vários artistas de diversos países, entre eles, Pablo Picasso, Maria Callas, e os Beatles. A mega produção contou com a participação de cerca de dez mil técnicos de quatorze países diferentes e foi transmitido para trinta e um países com uma estimativa de público entre quatrocentos a setecentos milhões de pessoas. Uma das principais regras do evento era a não aparição de nenhum político ou Chefe de Estado. Coube aos Beatles representar a Inglaterra e a BBC. Para isso, foram convidados a compor uma canção com uma mensagem simples de ser entendida por todas as nacionalidades. A transmissão ocorria no auge da Guerra do Vietnã e o grupo quis aproveitar a oportunidade para transmitir uma mensagem positiva. A canção escolhida foi “All you need is love” de John Lennon e Paul McCartney. 

O caráter internacional e a importância do evento certamente influenciou a orquestração e o arranjo da peça. A estrutura e a harmonia da canção são relativamente complexas se comparada a outras canções da banda. Com compasso de sete tempos, baseada em VERSO e REFRÃO e rica em citações. Sem perder tempo, já na introdução, os metais estabelecem a cena e o clima da canção, enfatizando, retoricamente, a mensagem universal de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” na citação da Marselhesa: 


Tendo estabelecido o clima de universalidade, a mensagem é reforçada com a repetição da palavra “love” no “pre-chorus”. O uso retórico da repetição cria um gancho com fortes implicações psicológicas, deixando claro qual a mensagem da canção. 



O primeiro verso dá sequência ao enredo poético-musical, onde a voz de Lennon canta: “There's nothing you can do that can't be done...”, logo em seguida, o segundo verso, inclui as cordas na harmonia, num crescendo emocional que eclodirá no refrão simples e direto: “all you need is love”. O bom humor está presente na citação de um pequeno trecho de “Chanson D’amour” – o inconfundível “tcharan", que também funciona como gancho, ligando as semicadências do refrão, além de reforçar o afeto central da peça: o amor.


A terminação do refrão numa semicadência confere continuidade à peça, seguindo para a ponte que, com a mesma harmonia do primeiro verso, traz o solo de guitarra de George, seguido de solo de violinos com uma terminação que lembra Vivaldi nas Quatro Estações:


Da ponte, a música segue direto para o refrão e a apresentação do último verso. O último refrão é repetido duas vezes, indo direto para a CODA no grande “fading out” repleto de citações que não foram escritas mas são fáceis de identificar, reforçando o caráter internacional e fraterno do evento.

a) Invenção nr. 8 em Fá Maior – BWV 779 de J. S. Bach (o mais universal de todos os compositores), transposta para sol maior (tonalidade da canção) tocada em dois trompetes pícolo:


b) In the mood – Glen Miller:


c) Greensleaves – Tradicional Inglesa, nas cordas: 

d) She Loves You – cantada por J. Lennon


Abaixo, temos o quadro resumo da peça, com as partes da música e as citações indicadas:



E para finalizar o nosso post, o clip original, remixado em remasterizado em 1987 a partir do original (1967). O original foi transmitido em preto e branco e foi a primeira transmissão via satélite da história.
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Ainda, se você desejar, pode assistir, no link abaixo, o programa "Our World" na íntegra (em inglês), com a presença de vários artistas de renome. A canção por nós analisada se inicia em 1:17:34.

Como se sabe, os Beatles influenciou e continua influenciando muitas gerações de artistas, músicos, compositores, gente de televisão e cinema. Para o completo recreio ao seu ouvido, deixamos aqui, outras versões interessantes da mesma canção. Divirta-se!

Across The Universe:

Bandaged Together:


Do filme "Imagine That" (Minha filha é um sonho, 2009), com Eddie Murphy:


O cantor e ativista, Bono Vox (U2), cantando uma versão "A Capella" da canção dos Beatles em uma de suas incursões pelo mundo da política:


Uma campanha da Starbucks, em dezembro de 2009 reuniu 156 países cantando "All You Need Is Love" em prol da luta contra a AIDS na África:


O Projeto "Playing for Change", conhecido pelo mesmo trabalho de reunir músicos ao redor do mundo para produzir canções em prol da educação musical, também na África:


Estes são apenas alguns exemplos de como uma boa canção pode exercer sua influência por várias décadas. Sem dúvida, esta única obra possui fôlego o suficiente para deixar os Beatles para a posteridade. E agora que você viu tantos e tantos exemplos, não é hora de parar pra pensar que a verdadeira e única coisa que todos precisamos é amor?

Love... Love.... Love... All you need is love!



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Do pão doce à música açucarada

[Seja bem vindo ao meu novo blog "Recreio ao Ouvido", que está sendo inaugurado com a belíssima canção "Pão Doce" de Carlos Sandroni. Quando ouvi esta canção pela primeira vez, fui tomado por diversos sentimentos causados pelo perfeito enlace entre as metáforas e figuras poéticas da poesia e o arranjo e instrumentação da obra. Decidi que havia chegado a hora de escrever e oferecer ao leitor um "petisco". Espero que gostem e deixem seu comentário.]


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"...depois de um tempo em que eu era tão completamente ingênuo, tão sem força de vontade que as doces delicadezas de qualquer guloseima lânguidas me seduziam..." (Carlos Sandroni)

Quem nunca gostou de pão doce?
Sonho, rosca, suspiro, pudim de padaria...
Guloseimas de um paladar que nos mantém na bucólica lembrança de nossa infância. Mas a vida, a vida tem muitos outros sabores...

Recentemente, pesquisadores da área de saúde notaram que muitos adultos, quando estão à mesa, mantêm hábitos de criança. É o que se chama "paladar infantil", considerado pelos cientistas como um distúrbio similar à bulimia e anorexia.

Quem tem paladar infantil dá preferência a alimentos não muito saudáveis, como doces, refrigerantes, lanches e fast food em geral. Evitam vegetais, frutas, temperos e aromas diferenciados. Em casos extremos, acabam prejudicando a saúde, já que o nosso corpo necessita de alimentos variados para o bom funcionamento do organismo.

Analogamente, há na audição, aqueles que sofrem do mesmo distúrbio, o que poderíamos chamar de "ouvido infantil": o ouvinte que gosta apenas da "música açucarada", com melodias repetitivas e de fácil assimilação, refrão marcante, ritmos previsíveis e de forte teor dançante, permeada por uma harmonia paupérrima e letra de discutível valor literário.

São os hits do momento: fast food e enlatados das emissoras de rádio e televisão, fortemente carregados por elementos visuais - embalagens sedutoras envolvendo alimentos nada saudáveis; verdadeiros chicletes auditivos, direcionados às massas e aos cérebros desprovidos de senso estético.

Essas "guloseimas lânguidas", aliadas a outros "docinhos" pseudo-culturais, como o BBB, UFC, futebol, novelas etc. seduzem o "paladar" de nossa sociedade e nos deixam "tão sem força de vontade", alienados pelo "incontrolável fascínio por cremes dourados e frutas cristalizadas" da indústria cultural, facilmente ludibriados pela política do panis et circenses.

Se em termos nutricionais, o "paladar infantil" pode levar a problemas de saúde, em se tratando de música, quem sofre da síndrome do "ouvido infantil", corre o risco de tornar-se impermeável à arte, vivendo uma vida sem sentido estético e social, incapaz de contemplar e exercer a faculdade de pensar, tornando-se doentes espirituais. O fim disso tudo é a barbárie, a banalização da existência.





Pão doce (Carlos Sandroni)

Não adianta mentir pra mim mesma
ficar me enganando, tentando dizer que nunca na vida,
nunca na vida eu gostei de pão doce
porque por mais que eu queira esconder
a verdade é que eu adorava pão doce
não podia passar sem pão doce
bastava ver padaria, que logo eu ia, que logo eu ia
comprar

Não adianta mentir pra mim mesma
porque no fundo, porque no fundo eu sei muito bem
que essa história toda de não comer açúcar
que essa história toda de não comer pão branco
que essa história toda de viver de mel e pão integral
isso tudo só foi começar muito depois

depois de um tempo em que eu era
tão completamente ingênua
tão sem força de vontade
que as doces delicadezas
de qualquer guloseima
lânguidas me seduziam
e minha língua sofria
de incontrolável fascínio
por cremes dourados
e frutas cristalizadas
feito rubis incrustadas
nas crostas crocantes dos pães

mas hoje,
hoje tudo é diferente
se eu olho pruma padaria, me ponho cismando, chego a duvidar
como é que pôde um dia
eu ter entrado tanto lá!...

porque por mais que eu queira, mas que eu queira
mentir pra mim mesma
ficar me enganando, tentando dizer que nunca na vida,
nunca na vida eu gostei de pão doce
fazendo um exame detido, sendo sincera, eu tenho que admitir
que a verdade, meus amigos (pelo menos no que tange a trigos)
a verdade no duro, doa a quem doer
a verdade é que eu adorava pão doce
a verdade é que eu adorava pão doce
a verdade é que eu adorava pão doce...